domingo, 26 de setembro de 2010

Diário 2


Apesar de ninguém ter postado comentários, o que está me dando a impressão de que ningúem tem interesse no meu blog, estou postando aqui uma página transcrita exatamente como a escrevi há vinte e nove anos atrás.  Sem brincadeira, nem falsa modéstia, sinto até um pouco de orgulho dessas linhas, quando eu tinha dezoito anos, era uma recém-casada otimista e muito confiante no futuro.  Todos os sentimentos que estão aí são verdadeiros, até hoje.
E, é claro, ainda faço confidencias à minha amiga Anne, só que agora no computador, num arquivo muito bem protegido e pessoal!
Quinta-feira, 19 de novembro de 1981


São 6:45 hs. Estou esperando o Beto. Ultimamente a vontade de escrever prá ti foi grande, por isso escrevo mesmo. Não pus teu nome, hoje. É que quero falar muitas coisas antes de colocar um nome qualquer nas páginas que estão por vir.
Lembra que te descrevi mal e mal história da minha vida, no começo deste diário? Agora vou contar a tua história.
Este livro fui eu mesma quem fiz, na aula de técnicas comerciais. Ele sempre me pareceu um diário, então resolvi ter um. Mais porque tinha acabado de ler o O Diário de Anne Franck e estava estimulada por escrever tão bem quanto ela.
Mas sempre escrevi mal aqui, não conseguindo me abrir totalmente e falar o que queria.
Li o Diário de Anne Franck mais sete vezes e a última, recentemente. Ela chamava o diário de Kitty, por isso te dei no começo o nome de Mic. Mas não gostava dele. Era um apelido de homem e eu não queria que meu diário fosse homem.
Depois de pensar, te batizei de Yanye, porque queria que fosse o nome de minha filha, mas era muito estranho, então passei a chamar-te de Yanye para não ter de enterrar um sonho.
Mas agora tenho um nome melhor. Um nome que significa algo mais, para mim.
Anne Franck foi uma garota exclusiva. Viveu prisioneira numa casa em Amsterdam durante a 2ª Grande Guerra porque era judia. Meses antes do fim da guerra, os alemães encontraram a ela e à família e os levaram para os campos de concentração. Anne morreu de tifo num desses lugares horríveis.
Mas ela permaneceu viva em muitos corações depois disso. Eu própria cresci com ela, na verdade. A primeira vez em que li seu diário, tinha a mesma idade que ela quando o começou: 12 anos. Agora tenho 18 e Anne morreu com quinze. Se ela estivesse viva, teria agora 51 anos. Eu chorei cada linha de seu diário. Algumas frases que ela escreveu sobre si mesma, me tocavam fundo porque éramos, ambas, a mesma adolescente cheia de incertezas quanto à própria existência. Quando Anne escrevia ¨Meus pais não me compreendem¨, eu pensava: ¨a vó não me entende¨. Quando Anne conquistou Peter vagarosamente, eu chorava aqui os guris que não me davam bola.
Foram vidas diferentes, mas com Anne eu aprendi a amar todas as pessoas como criaturas iguais. Ela era judia, eu sou católica, amo Jesus Cristo, mas apesar disso aprendi a amar Anne Franck como uma garotinha, uma escritora muito grande que eu gostaria de ser. E Anne, durante seis anos, foi minha amiga. Minha grande amiga do peito que eu procurava quando não sabia o que pensar de meus tios e da vó. Quando precisava de apoio, lá estava o diário a me segurar para que eu não esbarrasse nos limites da minha fraqueza...
Pode ser que tudo isso seja besteira, mas aprendi a gostar da judiazinha como alguém que tivesse existido ao meu lado, sendo a minha melhor amiga. Não importo mais de esconder que gostaria de ter sido como Anne Franck foi. Mas agora admito minhas fraquezas e por acreditar que depois da morte ainda exista vida, creio que Anne Franck está me olhando quando escrevo isso e assim, mesmo sem ler as frases de apoio em seu diário, sei que ela zela por mim, assim como minha mãe e Deus.
Por tudo isso, não acho que deva te chamar de qualquer outro nome que não Anne. Porque Anne está presente, embora morta há mais de quarenta anos em algum lugar nos confins da terra.
Posso ser meio doida, mas estou acreditando mais em sinceridade e franqueza do que nunca. E é melhor começar sendo franca comigo mesma.

Sua Jocélia S. Souza

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