segunda-feira, 3 de junho de 2013

Violência Doméstica: Constatações e Desabafos

     Sábado, fui procurar meu diário porque, sempre, claro, preciso escrever coisas muito íntimas que nos blogs não é possível, até porque os blogs se destinam a discussões que o diário poderá não comportar. Ali, separei os quatro cadernos que escrevi à mão desde meus doze anos, e fiquei lamentando, novamente, todos aqueles textos que derramei por vários anos que se perderam, folhas soltas de cadernos, um caderno perdido e nunca mais recuperado, e o pior de todos, os arquivos que tinha salvado em disquete e que não consegui mais recuperar, lá dos idos anos noventa em diante. Depois disso, fiz a besteira de criar uma senha que não me lembro mais e assim, o Word criptografado levou mais algumas preciosas páginas do meu querido. Mas, imbatível como sempre, estou escrevendo de novo no diário, e vou, outra vez, digitar o antigo para manter esta ordem cronológica que tanto eu prezo, por neurose, por mania, TOC, sei lá…
     Mas, claro, eu tinha de ler alguma coisa, antes, me reencontrar pela milésima vez, e então, ontem à noite, procurei pela parte onde me separei de meu marido e fiquei muito abismada. O diário, que em si já era tão importante, ganhou uma nova dimensão com esta leitura, e eu fiquei olhando para minha letra de quando eu tinha vinte anos e quase sem acreditar, eu li as seguintes frases: Eu já contei que ele anda batendo em mim quando não consegue controlar sua raiva? (29 de abril de 1984). Claro que eu não sou santa e grito com ele, mas ele simplesmente não tem outra maneira de me enfrentar a não ser sendo violento, a não ser soltando um tapa ou um empurrão.
    Eu li e fiquei olhando abismada para o papel, para minha letra, para o que escrevi e no único lugar onde eu nunca menti, onde sempre fui tão sincera, e nem ao menos consegui me emocionar pelo aconteceu há tanto tempo, mas por minha postura quanto a estes fatos desde então.
     Como sempre fui tão feminista, sou feminista e muito inconformada com a situação da mulher em todo o mundo, em geral, meu comportamento sempre foi contrário à violência doméstica, claro, nem preciso mencionar isso, mas lembro como se fosse hoje que eu sempre afirmei que o Beto tinha me batido uma vez, que foi quando nosso casamento realmente acabou, mas está aí, no diário, o relato de várias situações, que não foram tantas e nem sangrentas, mas que nem por isso deixam de ser gravíssimas, e o mais importante, no meu entender, foi minha insistência em negar, meu comportamento de isso é assim mesmo, afinal, eu que era culpada! Pois, não está lá, no trecho citado, Claro que eu não sou santa e grito com ele, como se eu tivesse o dever de ficar calada para aquilo não acontecer…?
     Muitos anos depois, eu tive contato com mulheres que sofriam verdadeira violência doméstica e me gabava de não deixar que homem nenhum me batesse e não aceitar aquela passividade delas. Então, ontem, ao ler aqueles trechos (há um pouco mais, descrevendo nossas brigas), eu percebo como fiquei perto de me comportar como elas, como fiquei tão perigosamente perto de manter aquele casamento e aí, sei lá como teria sido, o que poderia ter acontecido. E digo perigosamente, porque eu mantive o carinho por ele por muito tempo depois, muito tempo…
     Este desabafo precisou vir aqui para o blog, porque, sim, eu sou uma mulher sozinha que vive num país que ainda acha que a violência doméstica é normal. Diariamente posso ver na televisão os casos e mais casos, e a recente lei Maria da Penha veio tarde, tão tarde…
     Eu me preocupo, mas estou feliz, porque não tenho ninguém para me abraçar e amar, mas também não tenho ninguém me controlando, ninguém dizendo como devo me vestir ou me comportar e, mais que isso, não tenho uma mão agressiva e ameaçadora vindo na minha direção se eu ousar infringir as regras!
     Bom dia!

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