Um jogo só para feras Editora Sonhos Ltda |
21/4/2013
UM JOGO SÓ PARA FERAS
I
O abandono de uma companheira
Shlev entrou em sua sala, e como sempre a porta deslizou suavemente, fazendo um ruído quase inaudível. Mas Combo não estava para brincadeiras, não quis saber de nada e continuou com a mão nos controles. Lá fora, o espaço continuava imutável e silencioso, aqui e ali algumas estrelas piscavam mais intensamente que outras, e nessa noite, especialmente, não havia cometas ou qualquer outra distração mais oportuna. Ah, o que Combo não daria por uma diversão, qualquer coisa que o tirasse daquele enjoo de ver sempre as mesmas coisas, fazer sempre a mesma coisas, todos os dias... Que saco, já era tempo de alguma coisa acontecer.
- Comandante...
- Eu disse que não queria ser incomodado.
Mas eram amigos. Mais que comandante e tenente, eram quase irmãos. Combo nem se deu ao trabalho de virar para trás e olhar nos olhos de Shlev. Este, por sua vez, sentou-se na poltrona a seu lado, regulou alguns comandos no painel, pigarreou e voltou a falar:
- Diandra está lá embaixo.
- Eu disse a ela que estava proibida de ir. Não devemos nos arriscar, não sabemos o que há lá embaixo.
- Há manifestantes querendo subir à nave, Combo. Temos de decidir o que fazer.
- Manifestantes, só me faltava essa. – ele levantou-se, furioso, cansado, a mente embotada por tantos anos de espaço. Se pudesse ir para casa...
Shlev levantou-se também, os dois aproximaram-se da porta que tornou a deslizar para o lado com suavidade, e saíram para o corredor. Mas não conseguiram chegar ao final deste, pois ouviram os disparos das armas dos manifestantes e a rápida reação da tripulação.
- O-ou, tarde demais... – disse Combo, sacando sua pistola laser e correndo para a ponta do corredor, escondendo-se e atirando, aos mesmo tempo em que tentava tomar ciência da situação. O hangar de pouso, ao final do corredor, estava tomada de manifestantes do planeta Cluster (Esse não era o nome do planeta, fora assim denominado por humanos. Levaria mais de duzentos anos para a humanidade descobrir seu nome verdadeiro) atirando para todos os lados e tentando danificar o maior número possível de naves.
Combo revidou, mas percebeu que seria impossível, os manifestantes estavam em grande número, já pudera ver quatro companheiros feridos gravemente, e ele não podia se dar ao luxo de perder mais ninguém de sua tripulação. Fez um gesto apressado para Shlev, ordenando que voltasse à ponte de comando e fizesse os preparativos para zarparem.
- Mas Diandra está lá embaixo.
- Teremos de deixa-la, não existe outra opção.
- Não podemos deixá-la, Combo, nós a amamos...
Era verdade. Os dois a amavam por suas inúmeras qualidades. Ela não se decidia, talvez porque amasse os dois, também, mas a questão agora era a própria sobrevivência.
- Temos de deixá-la, ou morreremos todos. – ele esperou ver Shlev mover-se, mas o amigo permaneceu onde estava. Então, precisou agir como comandante, enquanto continuava disparando sua arma quase às cegas:
- Vá para a ponte, capitão Shlev. Isso é uma ordem!
Shlev ainda titubeou um pouco, incerto, mas reconhecia que não lhe havia outra coisa a fazer. Caminhou resoluto para a ponte de comando, relatando a situação aos integrantes da tripulação, dizendo que partiriam assim que conseguissem, e todos começaram os procedimentos para zarpar.
Shlev concentrou-se no espaço lá fora. Dali, diferente da sala de Combo, se podia ver as naves rápidas dos manifestantes circundando a nave humana, despejando mais criaturas para dentro dela lá embaixo, no hangar.
Lá embaixo, bem distante para se distinguir qualquer coisa viva, o planeta Cluster, com sua atmosfera muito parecida à da Terra, nesta dimensão tão diversa e estranha, onde Diandra agora estaria sozinha. Shlev sabia que nunca poderiam voltar para buscá-la.
-Ah, Diandra, eu sinto muito. Me perdoe. Nos perdoe a todos.
Jocélia
Jocélia Teles dos Santos